À sombra do morcego…

Essa postagem originalmente esteve [em 2019-07-05] em minha página criada no Medium — que abandonei depois que a rede se tornou paga e passou a ter recursos premium, “bloqueando” a distribuição de textos autorais não pagos aos demais usuários. Trago-a para cá para manter o acesso livre e a todos.

———————

Não fui um adolescente muito ligado em quadrinhos, a princípio. Não sabia com que frequência eram vendidos, não conhecia nada além do que via no cinema ou na TV. Gostava muito do Superman e da Mulher-Maravilha, mas não sei em que ponto me deparei com o outro, o que veio conquistar o posto de “meu herói favorito”. Talvez tentando entender o uniforme esquisito que usaram no filme Batman & Robin? [Sim, eu gostava dos filmes do homem morcego da década de 90…] Talvez. Não entendia por que o Robin do filme não parecia o Robin e foi por essa época que a Internet chegou pra ficar, ainda que discada e depois da meia-noite, então fui atrás desse tal de Dick Grayson.
Ok, todo mundo conhecia o “menino prodígio”, que tinha sido recrutado como sidekick pelo super-herói que todo mundo mais idolatrava. Mas ele não era mais o Robin! Mas por que não?! O que ele era, então? Que esquisito…

O nome na tela dizia Nightwing (ou Asa Noturna).

Nightwing!


Depois de ter sido atingido por um tiro do Coringa numa luta, Robin/Dick Grayson foi aposentado por Bruce Wayne. Num misto de culpa, revolta e indignação, não sabia se o que seu pai adotivo queria era protegê-lo ou o considerava não mais significante para o trabalho, então continuou seu caminho. Sozinho.
Encontrou-se num grupo de amigos, descobriu habilidades, desenvolveu sua personalidade entendendo melhor seu lugar no mundo e seguiu o rumo que só ele poderia seguir — o novo nome veio de uma inspiração kryptoniana, por uma história que o Superman [que sempre o inspirou] contou-lhe sobre um herói de seu planeta natal.
Richard John Grayson mudou de cidade, de vida, e evitava encontrar com o antigo mentor — principalmente ao descobrir que outros Robins continuaram a surgir, como um cargo a ser preenchido. Passou pelos Titãs, Renegados, Justiça Jovem…
Amigos vieram e se foram, romances e namoros também, mas lá estava ele, sempre à sombra do Batman, sempre sendo menos do que ele, sempre sendo comparado a ele, sempre tendo que provar seu melhor para si próprio e a todos à sua volta.

Me encantei pelo herói recém descoberto.
Havia uma identificação ali, algo que o aproximava de mim.

Eu também vivia à sombra de alguém “perfeito”, admirado, que conquistava a todos e atraía para si a luz que circundava o ambiente. Eu era o segundo, aquele por quem o interesse era rapidamente perdido, aquele que servia para ser escada para outra pessoa e raramente podia mostrar algum valor. — Aliás, que valor?
Anos se passaram e a identificação-inspiração crescia. A paixão por quadrinhos surgiu nesse meio tempo — e que frustrante era não achar quadrinhos do Asa Noturna por aqui! — e eu continuava às sombras, mas engatinhava rumo a meu próprio caminho.

Num ato de coragem, libertei-me do que era esperado de mim e passei a ser eu mesmo. Como Dick Grayson, de certa forma eu não era mais o Robin, mas Asa Noturna.
Foi o bastante?
Não.

Não gosto do Batman. Sua eterna melancolia e o fato de ser idolatrado por todo mundo me aborrecem. Noturno e soturno demais para mim. Prefiro as histórias ensolaradas do Homem de Aço e da filha de Hipólita, repletas sempre de compaixão e entendimento, superação. Nesse ponto, a identificação com o Dick Grayson ainda reina soberana: seus caminhos trilhados ainda tratam de uma autodescoberta, de deixar para trás a escuridão em que aprendeu a se guiar e abraçar as oportunidades que aparecem à sua frente — mesmo quando ele próprio precisou vestir o uniforme do homem morcego.

Ainda busco inspiração no senso de justiça do herói da capa vermelha e na luta pela verdade e amor da princesa amazona. Ainda tento me descobrir. Ainda tento achar um caminho… Não sei se consigo enxergar as oportunidades quando surgem. No fundo, acho que nunca vai ser o bastante.
Exatamente como o Asa Noturna, ainda me sinto preso à sombra do morcego. Ainda segunda opção, ainda primordialmente atendendo às missões mais importantes do antigo mentor para só então fazer o que sinto ser melhor para mim.
A diferença é que isso a cada dia me abate menos, irrita cada vez menos e, claro, acabo cedendo cada vez menos.

Encontrei alguns Supermen ou Mulheres-Maravilha pelo caminho que fizeram diferença na minha vida, que apoiaram sem exigir nada em troca. — Por eles, sigo em frente.

Quem sabe um dia também não consigo deixar minha Gotham para trás também?


———————

Clique aqui para ir à postagem original no Medium @andyoliv5.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

“O que você quer ser quando crescer?”

Prefiro um amor de Temperança.

Por que essa minha paixão por fotos de lugares abandonados?